terça-feira, 9 de julho de 2013

Prá começar: acidez e muito debate

Olá pessoal,

Resolvi separar mais os blogs e aqui neste espaço irei falar um pouco de tudo! Por isso o nome Pitadas & Punhados. E prá começar com o pé direito UM PUNHADO sobre um tema espinhoso, mas fascinante! Vamos começar:

Simples Maioridade, a urgente necessidade de mudança na legislação penal para menores

Nos últimos meses, andei estudando um tema espinhoso e bastante atual, com desdobramentos que podem mudar completamente a relação entre a sociedade e seus menores infratores. A redução da maioridade penal está em voga e tem acirrado ânimos e alterado o modo como o país enxerga seus adolescentes.
De jovens impulsivos, com necessidade de orientação e responsabilidade; para criminosos incorrigíveis e desprovidos de humanidade, aconteceu uma mudança radical e que não é perceptível a olho nu. Dissecando a temática, dois pontos chamaram a atenção: primeiro é a confusão entre maioridade penal e responsabilidade penal, segundo é o papel da mídia nesse momento.
A matéria de capa trata sobre vítimas da impunidade e discute possíveis efeitos da redução da maioridade penalAtualmente vivemos cerceados pelo medo de que nossa vida esteja em constante perigo, exposta a jovens descompromissados e criminosos que estão dispostos a tudo para nos matar. Capas de revistas, noticiários com crimes detalhados na TV, jornais pingando sangue. Esse apanhado noticioso desinformante só nos assusta mais e em nada contribui para um debate sério e urgente. Enquanto a mídia não apresentar dados concretos e não mostrar os impactos de reducionismos e simplificações como “com 16 anos já pode votar e não pode ser preso” ou “mata porque não teve oportunidade” não teremos as respostas que a sociedade precisa para escolher seus caminhos.

Para o debate avançar é fundamental responder algumas questões: Quantos assassinatos foram cometidos no país? E quantos foram cometidos por jovens? Quantos foram contra jovens? E qual a proporção das notícias entre crimes cometidos por jovens e os demais?!
Eu fui atrás desses e de outros dados importantes nessa discussão e os resultados me impressionaram e ajudaram a formar minha opinião no assunto. Antes de dizer qual é quero deixar aqui as respostas para as perguntas acima: 498 assassinatos cometidos por jovens com menos de 18 anos, nos 49.929 assassinatos registrados no Brasil em 2012. Desses, 27.467 tiveram jovens entre 12 e 19 anos como vítimas. Das notícias de assassinato (analisadas revistas semanais, noticiários televisivos e jornais de circulação nacional), quase 60% delas retratam crimes cometidos por jovens menores de idade. São quase 20% a mais de notícia para pouco mais de 1% dos crimes.
Gráfico mostrando o número de assassinatos cometidos por menores em comparação aos demais.

 Gráfico que mostra qual o perfil dos crimes cometidos por menores no Brasil.Só esses números soltos e sem uma análise mais profunda podem até iludir. Então os nossos jovens não matam tanto assim? Proporcionalmente ao número de assassinatos no país, não; mas se compararmos com o padrão de excelência no assunto (a Suécia, que apresenta a média de um assassinato cometido por menor de idade a cada três anos), matam sim! Opa, luzes vermelhas. Um assassinato a cada três anos e oito crimes ao ano em média contra os nossos 4.380 crimes anuais cometidos por jovens[1]. Na proporção, a cada 100 mil habitantes, temos 2,29 crimes cometidos por jovens no Brasil, contra apenas 0,07 na Suécia.
Então que me perdoem os puristas do Estatuto da Criança e do Adolescente, precisamos agir.

E o que dizer da mídia. Poderíamos apenas destacar que crimes cometidos por adolescentes são mais impactantes por natureza, mas a verdade é que existe um movimento atual pela redução da maioridade, sem aprofundar aspectos essenciais como o papel da polícia na resolução dos crimes, ou ainda o papel da própria mídia que cria “heróis da bandidagem” com seus bandidos aparecendo em horário nobre e com o rosto escancarado (o que o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite), vide Fernandinho Beira-Mar e muitos outros. Bandido vende jornal e dá dinheiro quando as pessoas sabem quem ele é.
Outro ponto crucial na discussão é que não podemos simplesmente dizer que o jovem comete crimes porque não teve amparo, vive na extrema pobreza e viveu a vida toda rodeado pela violência. Isso seria até desrespeitoso com os que vivem na extrema pobreza, cercados pela violência, sem qualquer amparo e que conseguem manter-se afastados da criminalidade. Esse reducionismo que ignora a capacidade do ser humano de se adaptar e de viver em condições extremas. Essa leitura também impede que analisemos com mais clareza os resultados positivos alcançados nessas situações – vide exemplos como o Nós do Morro, Música na Favela e muitos outros espalhados Brasil afora. Em todos esses a essência está em fomentar a cultura, a educação, e a participação dos jovens a partir de atividades diversas.

É fato que o Brasil ocupa hoje a 6ª posição no ranking mundial de criminalidade, portanto não é de se espantar que essa realidade também atinja os jovens. Também é fato que o número de assassinatos no Brasil sofreu uma queda de quase 10%, proporcionalmente ao crescimento populacional, nos últimos dez anos. No entanto entre os jovens essa realidade é diferente. Tanto entre os infratores, como entre as vítimas, jovens com idade entre 12 e 18 anos estão hoje vivenciando aumento significativo nos índices de violência, crescimento superior a 80%. É preciso agir. E quando é preciso agir, normalmente o reducionismo e a simplificação costumam ser a pior solução.

Se compararmos com os padrões educacionais, teremos explicações ainda mais contundentes para a necessidade do investimento no local certo. Apenas reduzir a maioridade penal não é a solução, mas efetivamente como está não pode ficar. Quando observamos países que julgam e punem exemplarmente seus jovens levantamos logo a bandeira errada. Nem EUA, nem França, nem Inglaterra, nem Japão, nenhum destes países tem a maioridade penal diferente da maioridade civil. Em todos eles a maioridade é de 18 anos com a responsabilização penal em diversas idades. Nos EUA, por exemplo, uma pessoa pode ser responsabilizada a partir dos 7 anos (dependendo do crime, do Estado e da análise do perfil). Tanto é assim que jovens ficam em reformatórios nos EUA até os 18 anos[2]. Já na França essa responsabilização segue o que o Brasil segue, 12 anos; e no melhor exemplo, Suécia, é a partir de 15 anos.

Sim, ao contrário do que se diz por aí, nossos jovens já pagam por seus crimes a partir dos 12 anos. Oi??? É espantoso como a realidade pode ser assustadora... Não é verdade que um jovem fique impune. É verdade que a pena pode não estar adequada aos crimes. Opa!!! Chegamos ao ponto crucial nessa questão. Se nós temos a mesma maioridade penal dos EUA porque lá não parece tão impune um jovem que mata seus colegas de escola, por exemplo?! Simples, pela pena aplicada! Apesar de continuar menor de idade, um jovem de 16 anos que tenha assassinado alguém nos EUA pode ser condenado à morte ou à prisão perpétua. E até que complete 18 anos ele permanece em uma prisão especial. Só essa explicação já indica o ponto onde devemos mexer. E certamente esse ponto não está no na balela de reduzir a maioridade penal apenas.
A Suécia com seus altos índices educacionais, de satisfação pessoal e baixíssimos índices de criminalidade apresenta ínfimos 7% de reincidência criminal juvenil contra nossos 63,98%. Mas porque é tão diferente. Foco no lugar certo é a chave: EDUCAÇÃO de qualidade, sem medo da reprovação e sem criar nossos analfabetos funcionais com diplomas universitários. Além disso, eles seguem a regra básica de que não é a gravidade da pena que inibe o criminoso, mas a certeza de sua punição (92% dos crimes são resolvidos e punidos contra pouco mais de 16% no Brasil). Vamos aos fatos:
  • Na Suécia o sistema educacional é público, rígido, exigente e de resultados. No Brasil o sistema é misto (público e privado) e as escolas públicas são sucateadas, fracas e abertas à criminalidade.
  • Na Suécia os jovens que cometem crimes não podem abandonar os estudos e são obrigados a terem boas notas, com o risco de aumento na pena imputada. No Brasil os jovens infratores estudam em péssimas condições e não tem nenhuma obrigatoriedade escolar, podem inclusive ser reprovados e até não estudar.
  • Na Suécia jovens infratores além de estudar fazem trabalhos sociais e aprendem na prática os resultados de seus crimes (jovens que tenham cometido homicídio trabalham auxiliando vítimas desses crimes, os assaltantes trabalham na recuperação de objetos roubados etc.). No Brasil, os jovens infratores são colocados em instituições onde a ressocialização está focada em mais aprendizado criminal ou esse trabalho só acontece nas penas alternativas.
  • Na Suécia as penas são condizentes com os crimes cometidos independente da idade. E o principal existe realmente a punição.
  • Assim como no Brasil, todos os países têm lugares separados para jovens e adultos que tenham cometido crimes.
Fica fácil observar que não é a Maioridade Penal que precisa ser reduzida. Tampouco é necessário modificar a própria imputabilidade a partir de 12 anos. Ou seja, temos uma idade adequada para responsabilizar as pessoas por seus atos, o que não temos são a resolução e a punição dos crimes. E quando temos são penas inadequadas e cumpridas em lugares onde realmente não podemos estabelecer novos padrões para evitar a reincidência.

As mudanças, que podem até parecer complexas, não são tanto assim. Das poucas e efetivas propostas que trago aqui apenas uma demandaria mais do que vontade política e envolveria mudanças no orçamento e na realidade das famílias brasileiras, mas é a mais básica de todas nos países desenvolvidos. Mas todas elas trariam resultado imediatos e muito mais coerentes com a realidade atual:
  • Escola pública de qualidade para todos, incluindo filhos de grandes empresários e políticos. Aí sim, seríamos capazes de viver uma meritocracia real e teríamos mais chances de evitar que nossas crianças e adolescentes entrassem para a criminalidade[3];
  • Alterar as penas para jovens infratores – adequando-as aos crimes (o exemplo francês e o inglês, de adotar metade da pena imputada a adultos, podem ser úteis. E o próprio exemplo sueco que analisa o crime e o perfil do jovem antes do julgamento também);
  • Tornar obrigatória a permanência no sistema educacional e com nota mínima para validar a redução da pena (nota mínima sete – cada mês letivo completado reduz uma semana na pena) e se não estudar um aumento de pena pode ser avaliado;
  • Tornar obrigatório o trabalho (não apenas como possibilidade de alternativa à pena) – claro que seguindo regras específicas – mas que possibilitassem uma futura reinserção e principalmente a noção de que cada um é responsável por si e por seus atos.
Na essência, se observarmos o sucesso de países desenvolvidos na redução da criminalidade e da reincidência de jovens infratores teremos uma linha a seguir que é velha conhecida dos meus avós e dos meus pais: “Cabeça vazia é oficina do diabo”. É com atitudes simples que teremos um resultado efetivo e bem mais coerente que a simples redução da maioridade penal que só transformará jovens infratores em adultos com doutorado em crime. Mas é preciso agir e logo.


[1] Considerando apenas prisões e crimes mais graves. Não contemplados furtos e crimes não registrados. Dados do Ministério da Justiça e confirmados em diversos veículos e sites especializados.
[2] Esse é o indicador básico para saber se é maioridade penal ou responsabilidade penal. A maioridade muda a idade para ser considerado adulto penalmente e responder como adulto, incluindo prisão de adulto. A responsabilidade mantém o status de criança/adolescente, mas penaliza pelo crime.
[3] Entrarei a fundo nessa questão em um próximo post. É possível, não é tão difícil estruturalmente e o principal sem aumento significativo nos valores atuais dispensados à educação, mas realocando-os.

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